sábado, 18 de maio de 2013

CARTA A UMA JOVEM DECEPCIONADA COM A IGREJA



[O texto a seguir é baseado numa carta real. Por isso, obviamente, o nome do destinatário foi trocado para proteger sua identidade.]

Minha cara Judite, espero que você e sua mãe estejam bem! Fiquei sobremaneira entristecido ao tomar conhecimento de que você decidiu desistir da Igreja. Amigos em comum me disseram sobre você ter se afastado. E, embora eu lamente, não duvido, uma vez que eu já vinha notando que sua decepção institucional era crescente. Lembro-me de suas críticas, e acredito que a razão do seu desapontamento seja o fraco engajamento missionário da Igreja. 

No fundo, acho muito difícil fazer com que você reconsidere essa sua decisão. Mas, pela afeição que lhe tenho, sinto-me no dever de lhe fazer essa admoestação. E, embora eu ache difícil, continuo crendo que para Deus não há nada difícil demais. Por isso mesmo, mantendo a esperança, continuo orando por você.

* * *

Assim como você, entendo que a Igreja de Jesus Cristo possui tarefas urgentes comumente negligenciadas: pregar o evangelho e socorrer os aflitos. Por outro lado, tenho visto muita gente adoecer o conceito de Missão, ao colocar essas tarefas num pedestal como se fossem os únicos serviços que Deus exige de Seu povo.

A Igreja Presbiteriana do Brasil, no texto de sua Constituição, descreve qual a finalidade da instituição. Pessoalmente, gosto muito dessa definição, e a tenho recebido como um bom fundamento do que vem a ser a Missão da Igreja de Jesus Cristo:
“Art.2 - A Igreja Presbiteriana do Brasil tem por fim prestar culto a Deus, em espírito e verdade, pregar o Evangelho, batizar os conversos, seus filhos e menores sob sua guarda e ‘ensinar os fiéis a guardar a doutrina e prática das Escrituras do Antigo e Novo Testamentos, na sua pureza e integridade, bem como promover a aplicação dos princípios de fraternidade cristã e o crescimento de seus membros na graça e no conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo’.”
Quem poderia negar que a Igreja tem sobre si todos esses deveres? Veja que, segundo esse entendimento, a evangelização faz parte da Missão, mas não é a Missão. A Igreja não foi formada só para pregar o Evangelho e dar socorro aos aflitos. Aliás, antes disso, a Igreja é chamada para adorar a Deus. Essa é a maior e mais importante razão da existência do povo de Deus.

Na maior parte das vezes, a decisão de se desigrejar se baseia numa má compreensão do que é a Igreja de Cristo. Muita gente tem deixado o convívio dos santos amparados numa eclesiologia mal formada. As ponderações que faço a seguir são, portanto, uma tentativa de expor alguns dos erros conceituais produzidos a partir dessa frequente decepção eclesiástica. 

Esteja certa, Judite, de que, se você assim requerer, estarei disposto a lhe dar maiores esclarecimentos sobre o assunto. Eu gostaria muito mesmo que você me concedesse uma oportunidade para conversarmos pessoalmente.

1º. DEUS É O CRIADOR DA IGREJA

Não fomos nós quem criamos a Igreja. Ela existe por vontade de Deus; e existe quando dois ou três se reúnem no nome do Senhor (Mateus 18.20). Igreja é o povo de Deus, em todos os lugares, tempos e épocas. E isso nos remete ao primeiro casal. Igreja existe desde que existe gente.

Podemos destacar na história da redenção três fases distintas de como Deus se relacionava com seus eleitos. Primeiro, ainda no tempo dos patriarcas (tais como Adão, Enoque, Noé, Jó, Abraão e José), Deus se relacionava com seu povo através de famílias. As famílias da Aliança eram a Igreja de Deus. Depois, através de Moisés, o Senhor reuniu essas famílias numa nação. Ao libertar os hebreus e conduzi-los a Canaã, Deus estabeleceu a nação de Israel como seu povo peculiar. Por último, em Cristo Jesus, Deus mostrou que Israel é muito mais do que uma nação étnica, política e territorial: Israel é o povo do Senhor identificado pela mesma fé que Abraão teve. Deus enxertou os gentios como ramos na Oliveira, tornando povo de Deus aqueles que não eram (Romanos 11; 1 Pedro 2.9-10).

Quem inventou a Igreja foi Deus: todas as pessoas espalhadas pelo mundo que servem a Deus, independente de etnia, cor, nação, ideologia, etc. Esse povo, contudo, é caracterizado por unidade e fraternidade. Foi na Igreja que Deus inseriu cada indivíduo salvo e é ali que ele deve permanecer. Ainda que eventualmente a convivência cause algum desconforto, se é essa a vontade de Deus, o salvo deve obedecer. 

Até mesmo o aspecto institucional da Igreja foi previsto por Jesus Cristo. Em Mateus 18.15-20, Ele ensina como tratar um membro faltoso, dando instruções sobre a disciplina eclesiástica. Nessa passagem, o Senhor não só fala da Igreja como instituição humana, como também demonstra que essa instituição é referendada por Deus.

2º. DEUS GOVERNA SOBRE A IGREJA

Sabe, Judite! Eu também tenho graves preocupações quanto à omissão da Igreja na tarefa de evangelização e ação social. Eu mesmo já me senti decepcionado com a Igreja por várias razões. Sendo composta por humanos pecadores, seria ingenuidade acreditar que essa instituição não falharia. É evidente que há problemas! 

Não sei se você tem conhecimento disso, mas eu e minha esposa já passamos por uma fase muito deprimente na Igreja. Pertencíamos a uma denominação, cujas práticas vinham nos deixando enojados: falta de compromisso com a pregação bíblica, alterações no governo da igreja motivadas pelo G-12, instalação de falsos apóstolos, envolvimento com política eleitoral, cultos públicos que mais vexavam do que glorificavam o nome de Cristo, dentre outras coisas. Fato é que, diante daquilo que julgávamos errado, nunca ficamos calados, e nem paramos de congregar. Sempre protestamos com muito empenho e convicção. Por tudo isso, fomos penalizados: humilharam-nos, fomos tolhidos do direito à defesa, excluídos da denominação, tratados como apóstatas. Fomos perseguidos por causa da justiça.

Essa foi uma grande decepção para nós com a Igreja enquanto instituição. Mas, no final das contas, nunca abandonamos o barco, pois a nossa convicção de que Cristo é o dono da Igreja sempre foi maior. Ele cuida do Seu Corpo, e por mais que tenha coisa errada, devemos sempre nos lembrar de que a Igreja é dEle; que o Senhor Jesus governa. Isso deveria ser suficiente para tranquilizar nossos corações. Ora, se Deus é Soberano, se a Igreja é dEle, e mesmo assim as coisas não andam sempre bem, isso significa que é Ele quem permite que a Igreja caminhe em meio a problemas. E graças a Deus por isso! Pois se fosse um lugar de gente perfeita, não teria espaço para mim.

Podemos, então, ter duas certezas: 1) A Igreja não atingirá a perfeição antes da glorificação, portanto, até lá, continuará com problemas; 2) A Igreja sempre será governada por Cristo, Ele nunca a abandona (Mateus 28.20).

A igreja primitiva também enfrentava problemas, que, hoje, para muitos, serviriam de motivação para deixarem a comunhão. Contudo, a mesma Bíblia que testemunha os inúmeros pecados vivenciados por aquela geração, é que faz a exortação para que permaneçamos firmes congregando:
Não deixemos de reunir-nos como Igreja, segundo o costume de alguns.(Hebreus 10.25). 
3º. DEUS REQUER VIDA CRISTÃ EM COMUNIDADE

Embora seja muito popular a onda do desigrejismo, esse movimento está longe da vontade de Deus revelada na Palavra. Há um chamado para que a Igreja viva como família de Deus, que é. As igrejas locais são comunidades que se organizam socialmente. Existem para pregar o evangelho, sim, mas também existem para viver comunitariamente. Na Bíblia, os crentes são chamados de família de Deus (Efésios 2.19), e de família da fé (Gálatas 6.10).
“Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.” (Atos 2.44-47).
“Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham. Com grande poder os apóstolos continuavam a testemunhar da ressurreição do Senhor Jesus, e grandiosa graça estava sobre todos eles. Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a necessidade de cada um.” (Atos 4.32-35).
Antes de falar em ação social, e de presença relevante na sociedade, a Igreja precisa de comunhão. Em outras palavras, precisa ser capaz de viver comunitariamente, e de praticar seu cristianismo dentro da família da fé. 

4º. DEUS REQUER ADORAÇÃO EM COMUNIDADE

É verdade que também devemos realizar nossa adoração de modo individual e pessoal (Mateus 6.6), mas a realização de cultos públicos e formais são uma exigência divina, e não mera invenção de pecadores. Do antigo Israel Deus exigiu santas convocações: 
“No oitavo dia convoquem uma assembleia e não façam trabalho algum.” (Números 29:35).
Compare com Êxodo 12.16 e Levítico 23. O povo não via essas obrigações como um peso, mas muito se regozijava no privilégio de participar das convocações solenes (Salmos 35.18; 107;32; 122.1; 149.1). No Novo Testamento, isso não mudou. A exortação bíblica é para que o povo de Deus continue valorizando as reuniões formais da Igreja. Aliás, ainda no Antigo Testamento há profecias de que na Nova Aliança as convocações solenes continuariam tendo o seu lugar:
“E os estrangeiros que se unirem ao Senhor para servi-lo, para amarem o nome do Senhor e para prestar-lhe culto, todos os que guardarem o sábado sem profaná-lo, e que se apegarem à minha aliança, esses eu trarei ao meu santo monte e lhes darei alegria em minha casa de oração. Seus holocaustos e seus sacrifícios serão aceitos em meu altar; pois a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos." (Isaías 56,6-7).
“Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas encorajemo-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês veem que se aproxima o Dia.” (Hebreus 10.25).
Note, Judite, que existiam desigrejados já primeiro século, mas o autor da carta aos Hebreus afirma que não é esse o comportamento que se espera daqueles que aguardam o retorno de Jesus Cristo. O culto, a comunidade, o cumprimento da missão, tudo, na verdade, deve terminar num objetivo maior: a glória de Deus. 
“Quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1 Coríntios 10.31). 
Se não for para glorificar a Deus, nem a evangelização, nem a ação social têm valor em si. No final, a glória de Deus deve ser o nosso maior intento. Precisamos, então, considerar o que Deus diz a respeito do culto público nas Escrituras, quais são suas exigências, e quais os detalhes acerca de COMO essa adoração pública e comunitária deve ser realizada. 
“Tudo o que eu ordeno observarás; nada lhe acrescentarás, nem diminuirás.” (Deuteronômio 12.32). 
A adoração na Igreja, tal como ordenada por Deus, é indispensável à devoção cristã. Dizer "Prefiro ser crente em casa!" é absolutamente contrário ao ensino da Palavra de Deus.

5º. DEUS CONCEDEU PRIVILÉGIOS ESPIRITUAIS À IGREJA

E, com isso, quero dizer EXCLUSIVAMENTE à Igreja. O dom do Espírito Santo prometido nas Escrituras nunca é mencionado no singular, Judite. Todas as vezes que a Bíblia diz que somos Templo do Espírito Santo, ela fala da comunidade, e implica em que esse privilégio não é real fora da comunidade. 
“Vocês não sabem que são santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês?” (1 Coríntios 3.16).
Os sacramentos, que são meios de graça instituídos por Cristo, só nos são conferidos pelo ministério da Igreja. E o mais importante, sabemos que a salvação é individual, mas uma das bênçãos da salvação foi o fato de que Deus nos incluiu na Igreja, a fim de vivermos em unidade. 

Na Bíblia, vir a Cristo e à Sua igreja são uma coisa só, não duas. Externamente, nós nos identificamos como pertencendo a Cristo pela profissão da fé diante da Igreja, e na adoração, aprendizado e testemunho contínuos juntamente com a assembleia dos santos (Romanos 10.9-10; Mateus 10.32; Atos 2.41-42; Hebreus 10.25). Fazer parte de Cristo é fazer parte do Corpo de Cristo (1 Coríntios 12.13,27; Romanos 12.5; Efésios 5.29-30). Biblicamente, os cristãos servem a Cristo, não em isolamento autossuficiente, mas como membros vivos do Seu corpo. (Mark Brown e Larry Wilson).

Lembre-se: a Igreja é a noiva de Cristo, e Cristo está preparando essa noiva, mantendo-a pura e imaculada para o dia do casamento. A noiva é dEle, Judite, e é Ele quem garante que ela estará preparada para as Bodas do Cordeiro. Os privilégios espirituais são conferidos àqueles que compõem a Igreja e não a indivíduos isolados. Quando Ele vier, levará consigo a Sua noiva.

6º. DEUS CONCEDEU A TAREFA MISSIONÁRIA À IGREJA

Até mesmo o cumprimento da missão é um privilégio da Igreja. É a Igreja, a instituição inclusive, que foi chamada para o cumprimento da Missão. Qualquer tentativa de realização do chamado de Cristo, que seja à parte da Igreja, não será obediência à grande comissão. Antes, será uma tentativa ultradémodé de reinventar a Igreja separando-se da “cristandade corrupta”. Foi esse o caminho seguido nos dois últimos séculos por muita gente aparentemente bem intencionada, mas que, no final, foi capaz tão-somente de produzir novas seitas heréticas tão perniciosas para a saúde da fé dos crentes.

Sair da Igreja, para realizar sozinho a obra de Deus é absurdamente ilógico. É impossível obedecer à ordem de Cristo (de se fazer discípulos) quando alguém se mantém obstinado contra todas as verdades que foram expostas acima. Trata-se de rebeldia contra a Igreja que Deus criou, governou e continua governando, contra o chamado de Deus para que vivamos e adoremos em comunidade, e contra o claro ensino da Escritura de que os salvos estão na Igreja e que o Espírito de Deus é dado para estes. Seria uma grande hipocrisia alguém tentar obedecer ao “Ide” de Cristo, sendo que mantém o coração endurecido para esses fatos. A evangelização só será bíblica quando os convertidos estiverem matriculados na escola de Cristo e abraçados ao seio da família visível dos crentes (Mateus 28.19-20; 1 Coríntios 12.13; Atos 2.41,47).

Pense no seguinte, Judite: o seu empenho por obedecer a Cristo será mais útil e produtivo quando você incentivar e encorajar a Igreja a se reformar. Tentar, isoladamente, fazer o trabalho que Deus deu à Igreja, não passa de falsa piedade. Quando você, na Igreja, for capaz de convencer os demais a se comprometerem com o desafio missionário, seus esforços serão multiplicados e serão muito mais úteis para o Reino de Deus do que trabalhar fora da Igreja e sem a Igreja.

CONCLUO

Todos esses pontos mencionados devem estar na sua mente, quando você lê Hebreus 10.24-25:
"E consideremos uns aos outros para nos incentivarmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de reunir-nos como Igreja, segundo o costume de alguns, mas procuremos encorajarmos uns aos outros, ainda mais quando vocês veem que se aproxima o Dia."
Lembre-se, Judite: Não tenha fé nos seus próprios esforços! Tenha fé no Deus que pode realizar grandes coisas através desse povo imperfeito que Ele mesmo chamou e reuniu. No final, trata-se justamente disso: fé no poder de Deus. Creia que Deus é capaz de salvar os pecadores. Afinal, eu e você fomos salvos através do ministério dos cristãos que atuaram na Igreja, pela Igreja, e para a glória de Cristo. Mas a salvação, seja a minha ou a sua, é evidenciada, dentre outras coisas, pela persistência do pecador em continuar na Igreja.

Que Deus lhe dê entendimento e sabedoria.
Abraços compadecidos do seu amigo,

Thiago Dancona

2 comentários:

  1. Parabéns meu caro Thiago. Excelente texto. Um abraço. Rev. Divino J Camargo

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    1. Muito obrigado, Pastor. É muito bom saber que nossos mestres estão contentes com nosso trabalho. Abraços!

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