“Tudo o que eu te ordeno, observarás; nada lhe acrescentarás nem diminuirás.”
Deuteronômio 12.32
O batismo infantil é um
tema controverso para o evangelicalismo brasileiro moderno. Muitos crentes acreditam
que esta seja uma característica peculiar do presbiterianismo. Mas, na verdade,
a prática de se batizar os infantes está presente em quase todas as tradições
cristãs. As exceções mais dignas de serem destacadas são os Batistas e todo
movimento evangélico influenciado por eles (no que diz respeito ao ritual do batismo),
tais como o Pentecostalismo e o Neopentecostalismo.
Na verdade, recusar o
batismo às crianças é um costume relativamente recente na Igreja, já que antes
do movimento anabatista não se tem registro de cristãos que assim agissem. Os
presbiterianos compreendem que deixar de batizar os filhos dos crentes (ou os
menores sob sua guarda) constituiria, sim, em um grave pecado de negligência à
ordem bíblica. Para entender, contudo, a razão das Igrejas Presbiterianas
preconizarem o batismo de crianças, é necessário conhecer a Teologia da Aliança.
A TEOLOGIA DO PACTO
De acordo com a Teologia
do Pacto, Deus estabeleceu a Aliança da Graça com o ser humano decaído, com o
objetivo de redimi-lo de sua miséria espiritual. Essa Aliança tem por
fundamento legal a Cruz do nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual Deus perdoa e
justifica os pecadores que tem fé no Filho de Deus. Contudo, a Aliança foi
estabelecida muito antes do evento da crucificação. Para aqueles que são
introduzidos na Aliança após a vinda do Messias, exige-se fé na Cruz, um evento
histórico testemunhado pelos apóstolos. Quanto àqueles que foram introduzidos
antes da vinda do Messias, exigia-se a esperança de que Deus daria cabo definitivamente
ao problema do pecado humano, mediante uma solução superior aos rituais
provisórios da religião judaica.
Deus estabeleceu sua
Aliança com os homens, oferecendo reconciliação. Sempre foi pela fé, tanto antes como depois da Cruz. Para isso, Ele estabeleceu
mediadores desse Pacto, cada um numa época distinta, e sempre num processo de
revelação orgânica, progressiva e crescente. Esses mediadores foram:
- Adão,
- Noé,
- Abraão,
- Moisés,
- Davi,
- Cristo.
Os cinco primeiros nomes são mediadores daquela
que se chama "antiga dispensação do Pacto". O Senhor Jesus, porém, é o mediador
da "nova dispensação do Pacto"; ou, da Nova Aliança.
“Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá.” (Jeremias 31.31).
A Nova Aliança não é nova
no sentido de que a Antiga tenha sido anulada. Ao invés disso, são uma só e a
mesma Aliança, com seis mediadores, duas dispensações, e a Cruz como centro da
fé. Cristo é a consumação do Pacto, e se diz “nova” porque, enfim, em Cristo foi revelada
de modo completo e cabal. Segundo Hebreus 1, a pessoa de Jesus é o clímax da
revelação de Deus. Em Cristo, o ser humano vê a expressão exata e o resplendor
da glória do Pai.
“Eu e o Pai somos um” (João 10.30).
“Quem me vê a mim, vê o Pai” (João 14.9).
A TEOLOGIA DO PACTO E O
BATISMO
Uma vez que a Aliança que
Deus estabeleceu em Cristo é a mesma Aliança que Deus fez com Abraão, chega-se
à conclusão de que toda a Escritura Sagrada, tanto o Antigo como o Novo
Testamento são a revelação inspirada de Deus, pela qual Ele orienta e julga o Seu
povo. Esta é a Palavra de Deus.
Diante dessa compreensão,
a análise de qualquer tema proposto pela Escritura deve ser considerada sempre
em sua revelação integral, pois o Pacto não começou em Cristo, nas narrativas
dos Evangelhos, mas em Adão, nas narrativas de Gênesis.
Considere-se abaixo,
portanto, a argumentação de como a Bíblia não só permite o pedobatismo, mas o
institui.
1. Abraão foi introduzido
no Pacto da Graça e selado com um rito sacramental por causa de sua fé pessoal
(Gn 15.6; 17.11).
2. Os termos do Pacto da
Graça exigiam que todos os meninos recém-nascidos deveriam ser incluídos nesse
Pacto, por meio do mesmo rito sacramental por que passou Abraão (Gn 17.13).
3. Nem o judaísmo cria em
regeneração sacramental, e nem os pedobatistas o creem. Todos os hebreus foram
circuncidados, mas nem todos eram salvos (Rm 2.25-29; Fp 3.2-3). A circuncisão
nunca foi garantia de salvação, mas de introdução na família da Aliança. A
circuncisão espiritual e verdadeira era a do coração (Lv 26.41; Dt 10.16; Jr
4.4).
4. A ausência de fé dos
meninos judeus jamais implicou em prejuízo para o Pacto, para os meninos, ou
para seus pais. A única fé relatada na instituição do sacramento foi a de
Abraão, de ninguém mais (Gn 15.6). As crianças foram seladas pela fé, mas não a
fé delas, e sim a de Abraão.
5. A recusa em cumprir a
aplicação do selo caracterizaria negligência e rebeldia, pecado passível de
punição severa (Gn 17.14; Êx 4.24-26).
6. O Pacto feito com
Abraão, o pai da fé, não foi ab-rogado. A Bíblia testemunha a continuidade do
Pacto, e nas mesmas passagens menciona a participação dos filhos dos crentes
nesse Pacto (Is 59.20-21; At 2.37-39).
7. Nos termos da antiga
dispensação do Pacto, o selo era o ritual da circuncisão; nos termos da nova
dispensação do Pacto, o selo é o ritual do batismo (Cl 2.11-12).
8. O ônus da prova
neotestamentária não cabe aos pedobatistas, mas aos credobatistas. Isto é, não
são os pedobatistas que precisam encontrar uma passagem no NT que ordene o
batismo dos infantes; são os credobatistas que precisam apresentar uma passagem
no NT que interrompa esse procedimento. A razão é o seguinte princípio
hermenêutico: tudo que está previsto no AT continua em pleno
vigor, com exceção daquilo em que o NT apresente a
descontinuidade. Se o NT se cala quanto à administração do sacramento aos
infantes, significa que permanece o que foi especificado no AT.
9. Se a melhor prova
bíblica do credobatismo está em Mc 16.16, é imprescindível afirmar que os mais
importantes eruditos em manuscritologia concordam (independente se são credo ou
pedobatistas) em que o trecho de 16.9-20 não compunha os autógrafos do texto de
Marcos.
10. Supondo, porém, que o
texto tivesse validade, considere-se:
> O texto de Mc 16.16 não diz respeito a crianças. Ele é uma regra geral, que não contempla todas as exceções. Se ele diz respeito a crianças, também tem de significar que a criança, por não crer, está condenada. Admitir que os casos de exceção estejam incluídos nesse dito, significaria ainda ter de admitir que é impossível a salvação para alguém que não foi batizado.
> O apóstolo Paulo também escreveu: quem não quer trabalhar, também não coma. Poderíamos aplicar esse texto a uma criança? Evidente que não! Porque essa é uma regra geral válida para adultos. O caso das crianças é uma exceção a essa regra. Desse mesmo modo deveria ser compreendida a sentença de Marcos 16.16. (isso, se o texto fizesse parte dos originais gregos).
> Qualquer insistência em afirmar que Mc 16.16 seja uma ordem para a descontinuidade da aplicação do selo, seria uma forçação de barra fora do comum. A intenção autoral não está nem de perto dirigida à discussão do batismo infantil.
11. O Pacto da Graça tem
caráter inclusivo, e não o inverso. Na antiga dispensação, as mulheres *não
recebiam* o selo; na nova, o recebem (Gl 3.26-29). Na antiga dispensação, os
filhos dos crentes *recebiam* o selo; não há razões neotestamentárias para se
imaginar que, na nova dispensação, isso devesse ser interrompido.
Mas, afinal, de que
adianta argumentar?
"Aquilo que as pessoas
não gostam, elas se esforçam para não acreditar."
(J.C. Ryle).